Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
dubois@aeiou.pt

segunda-feira, janeiro 12, 2004

Sem direcção definida
A caminho do grande vazio

Tempo livre. Parado no topo de uma grande superfície comercial a apreciar o movimento dos corpos. Panorâmica. Por fora o movimento cria uma desfocagem por arrastamento e os corpos ficam distorcidos pela sobreposição dos movimentos. O arrastamento provoca transparências. Acendo um cigarro. A cacofonia em fade-out é substituída pelo crepitar das folhas secas de tabaco geneticamente modificado. Curiosamente a velocidade aumenta do lado de fora. Agora o turbilhão de corpos é substituído por um borrão quase transparente que desenha linhas de rota. Por dentro dançam nicotina, arsénico, benzopireno, alcatrão, cádmio ao som de Stan Getz. Cada pessoa = uma vida. Uma vida com problemas, alegrias, paixões, amores não correspondidos, segredos negros, uma pequena perversão pessoal e todos esses pequenos componentes que fazem de nós únicos. No entanto, o borrão disforme do movimento contínuo, o vazio no olhar, a vontade de chegar rápido a um local onde depois se espera desesperadamente. Coisas que transformam todas as criaturas magníficas numa amálgama de carne sem identidade. Apenas matéria que vem desde o Big Bang a saltar de forma em forma, de molécula em molécula, e que um dia acabará por fazer parte de outro qualquer corpo num outro qualquer ponto do universo. Sem memória de ter passado um pedaço de nada num corpo que terá uma vez sido uma entidade única e consciente.