Renascimento (amnésia de estimação)
Ora bem, por onde começar? Lembro-me que estava mau tempo e que era início de Inverno. Não era frio como os outros invernos. Não. Era húmido. Mas não era frio. Ali perto de mim estava um velho sentado a falar consigo próprio e mais ao lado estava uma senhora a dormir. Parecia-me estrangeira. Tinha alguma idade. Lembro-me de ter ficado perplexo e de ter perguntado a mim mesmo como poderia aquela senhora dormir ali na rua nestas condições. Mais à esquerda, quase ao fim do beco, estavam outras pessoas. Talvez 6 ou 7. Não contei. Apesar daquelas pessoas partilharem aquele espaço físico, a verdade é que estavam perfeitamente sozinhas. Consigo próprias. Falavam para si. Havia perguntas que ficavam orgulhosamente penduradas sem resposta e havia respostas que brotavam do mais glorioso nada. De facto era um vazio. Era apenas um ajuntamento de material orgânico, desprovido de lógica. Pelo menos eu não encontrava ali lógica. Lembro-me perfeitamente da sensação de não fazer a mínima ideia de como tinha ido ali parar. Lembro-me também de estar a tirar conclusões em voz alta e ninguém sequer ter olhado para mim. Lembro-me de me sentir orgulhosamente só e de ter consciência de que o meu esquecimento, a minha amnésia de estimação, ser voluntária. lembro-me de ter sorrido. Lembro-me que nesse dia renasci...
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