Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
dubois@aeiou.pt

quinta-feira, janeiro 22, 2004

Polaroid tremida





Merda!... O que faço eu aqui com a cabeça encostada ao chão da calçada suja com uma bota Dr. Martens (modelo 7713 de 2003) a esborrachar-me o crânio? Porque raio está um bastão de Basebal aqui parado mesmo em frente num equilíbrio delicado? Daqui o mundo rodou 90 graus e as leis da gravidade não funcionam. As leis da lógica também não se aplicam muito bem. Mas isto sou só eu a pensar, claro. Até porque um tipo de 150 kg e apertar-me a cabeça contra a estrada tende a limitar bastante a capacidade de raciocínio. As vozes misturam-se com o som tipicamente confuso das 6 da madrugada depois de alguns copos. Há gritos. Sei que há gritos, mas não me parecem ser meus. Um clarão ligeiramente alaranjado projecta a minha sombra dançante contra um velho plátano, com 3 gerações de declarações de amor cravadas a navalha.

Ali em frente um corpo contorce-se em movimentos reptideos e os sons que se esvaiem de si confundem-se com a mota que o contorna, como se fosse mais obstáculo da estrada. Também está deitado e sou capaz de jurar que não se sente muito bem. Existe uma ligeira descoloração daquilo que vejo, mas o vermelho que lhe sai da boca não engana. Apenas vejo o dióxido de carbono quente que exala e cria pequenos hoovercrafts de vapor que o abandonam depois de alguns décimos de segundo. A minha orelha arde que se farta. É estranho como penso que devia lavar os dentes, pois esta rugosidade do sujo está a incomodar-me a língua.