Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
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segunda-feira, julho 07, 2003

Momento gratuito

IC1, Quilómetro 354, 20:00 horas e 20º. O rádio sintonizado numa qualquer estação que deliberadamente coloca reverb em toda a emissão. Uma banda de rock estupidamente efémera grita "save me, save me!". Retalhos de sons que abafam o motor, sendo essa apenas a sua função, abafar o som do motor e do rolar das rodas no alcatrão imperfeito. Uma família havia estacionado debaixo de uma sombra e a manta colorida fazia fronteira com a relva seca e os insectos. A menos de 100 metros uma fábrica debita milhões de metros cúbicos / dia de um produto gasoso cujo nome apenas uma pequena elite química sabe pronunciar. Em cima das fatias de pão aparecem as primeiras formigas. Batedores. Analisam o local. Farejam e os cheiros cancerígenos afastam o exército de formicídeos.

IC1, Quilómetro 350. A banda debita um último "save me". Entretanto as formigas descem ao buraco e iniciam mais um ciclo de zumbidos imperceptivel ao ouvido humano. Sinais protocolares que existem desde o início dos tempos e indiferente ao espaço ou tempo.