Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
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terça-feira, setembro 23, 2003

O homem que tinha duas sombras

Havia nos longínquos tempos do império romano um homem que tinha duas sombras. Uma sombra que apontava sempre o norte magnético e outra que apontava o lado oposto do sol. Era um homem de bom coração, ex-escravo que tinha ganho a liberdade salvando um dia a vida do seu amo. Sempre a escuridão, este homem tinha um medo terrível de ser enviado aos leões pela sua singular característica. Um dia, num ataque incontrolável de sede saiu à rua. O seu filho não voltara desde a última saída, faziam 2 dias. Ao entrar na praça principal, um centurião reparou que este homem era diferente. Foi levado à presença de um departamento científico (ou o similar da altura) para análise. Um estudante de medicina disse que era obra de deuses negros, pelo que foi de imediato condenado a prisão perpétua. Nas masmorras conheceu um contador de histórias e músico que lhe falou das suas aventuras além mar onde os homens eram diferentes e numa ilha longínqua onde homens sem cabeça tinham o rosto no peito. Mediriam entre 1.10m e 1.40m. O homem das duas sombras adormecia todas as noites embalado pelas suas lágrimas. Ali não tinha sombra nem luz. Era um comum homem sem sombra.

Certo dia, enviado por Gaius Cesar, entra uma delegação de 3 homens no sua catacumba. Pedem que o soltem. Trazem mais dois prisioneiros para o seu lugar. O carcereiro, mediante o problema de sobre-lotação da pequena célula manda o músico para os leões. O homem com duas sombras vai com uma delegação para o palácio científico onde o espera um banquete romano. No fim do jantar entram algumas rapazinhos novos que são colocados em parada para os romanos escolherem. O homem das duas sombras não quer nenhum e fica ali apenas a ver o espectáculo carnal.

No dia seguinte foi levado numa expedição a África para ser usado como bússola. Depois de 6 meses de expedição conhece uma jovem negra pela qual se apaixona. Os seus invulgares olhos azuis e a pele achocolatada não agradava aos romanos, pois era nitidamente filha bastarda de alguém de um povo bárbaro do norte. O homem com duas sombras viveu durante duas semanas com a sua amante negra. Viveu com intensidade a paixão e declamou elaborados poemas de amor que o seu amigo músico lhe tinha ensinado.

Um dia, ao se preparar para a viagem de volta, saiu à rua e só tinha uma sombra. Alarmados, os soldados romanos fizeram uma reunião onde se decidiu esperar 3 dias para ver se recuperava. A sombra que o homem tinha (a do sol) não iria servir para a viagem de volta. Ao fim de 3 dias, o homem que em tempos teve duas sombras, estava numa fabulosa praia mais a sua amada a contemplar o por-do-sol com os pés na água morna do mar. Um grupo de 8 soldados aproximou-se a parou a alguns metros. Um deles avançou e com um olhar frio e indiferente apunhalou no abdómen a sua jovem amante negra. Depois aproximou-se do homem que em tempos tivera duas sombras e fica parado. O homem olha para o chão para a sua amada morta. Aos seus pés junta-se o sangue da amada e espuma do mar. O soldado levanta o punhal e espeta-o no pescoço do homem que só tem agora uma sombra. Este cai junto da sua amada. Ficam ali os dois deitados, mortos. O mar leva o seu sangue. Os soldados ficaram a olhar. As sombras vão aumentando exponencialmente de tamanho com o sol que já vai baixo, prestes a desaparecer por entre as águas do Atlântico. Quando apenas resta um nada de sol, 3 sombras são projectadas dos amantes. Uma delas é maior e aponta o norte.