Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
dubois@aeiou.pt

quarta-feira, setembro 17, 2003

O Zero Absoluto

Um sofá velho, rasgado de tanto gasto nos cantos e queimado de cigarros em vários sítios. Uma divisão que é uma casa ou uma casa que é uma divisão. Uma janela tapada com plásticos pretos estampados com a marca de um herbicida. Um fogão sujo e velho. De dois bicos. Uma mesa que o suporta forrada com plásticos floreados. Uma ambiência difusa. O chão de terra batida, tão batida que parece pavimento. Uma porta feita com tábuas da construção civil, identificadas com as iniciais de um empreiteiro. Uma lata de leite em pó. Ferrugenta. Multi-usos. Uma criança e uma mãe. Sentados no sofá. Uma lâmpada pregada no tecto, que é uma chapa de zinco. Gasta. Um operador de câmara e uma jornalista. Um cheiro a perfume intenso (francês) que invade os odores bolorentos. Uma luz forte que se acende, vinda da camara. Um microfone em riste. Um ajeitar de cabelo. Um "ok". Um silêncio de 3 segundos. Duas perguntas:

- O que vai fazer perante a ameaça de demolição feita pela autarquia?
- Não gostas de chocolates como os outros meninos?

Zero respostas. Uma lágrima.

Silêncio.