Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
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terça-feira, junho 22, 2004

Rasgadas as pátrias, restam as sombras
Por entre densas cortinas de assombro

Era por trás da pesada porta de metal que ocasionalmente via o críptico checoslovaco. Um olho de vidro e 3 dentes de ouro. Barba abundante e não cuidada. Selvagem, parasita do seu corpulento anfitrião. Pesava muito, mais do que qualquer balança comercial podia quantificar, dizia fluentemente na língua que não era a dele. Ostentava orgulhosamente a gaiola de pássaros exóticos, que ninguém se atrevia a adivinhar o nome. Chamava os ventos pelos nomes e sabia a sua origem e acção. Falava na transversal e era nessas alturas que balbuciava na diagonal, entre dentes de ouro, diapasão da retórica, filtro imperfeito da lógica. Era seu dono e senhor. Das suas palavras a meio, a dobrar, de lado, obscuras, incompreensíveis. Toda a gente anuía, porque decerto era sábias. Contudo arrotava selvaticamente, desculpado pela sua invulgar nacionalidade. Não tenho a certeza que fosse checoslovaco, até porque já nem existe Checoslováquia. Devia ser impressão provocada pelas calças de licra tricolores (na vertical). Provavelmente o olho nem era de vidro e era encorpado, mas não gigante. Nunca prestei atenção ao que dizia, porque doutrina empacotada e estanque nunca foi o meu assunto predileto...