Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
dubois@aeiou.pt

terça-feira, maio 25, 2004

Estímulo sensorial acrescido
Um sonho "urbano pós-moderno", labaredas no cortex e o típico Shakespeare sob a influencia do seu habitual clister

Acabadinho de sair do seu emprego corporativo, engomadinho como se fossem 9 da manhã, dirige-se ao seu carro. Imaculado. Como se tivesse sido acabado de encerar. Ausência total de anomalias. Uma ou outra colega suspira ao passar por ele. Ele, a transposição directa do homem-hugo-boss, a conversão perfeita do universo calvin kleiniano, o senhor gillete. Minutos depois passa pela escola para levar o seu doce casalinho para casa. As crianças Tide. Lourinhas como o sol da manhã e os olhos do mais puro mar, as caraíbas não poluídas do séc. XVI. À chegada ao seu condomínio fechado, com...
[Fiz questão de fechar os olhos enquanto sentia a faca a entrar-te no intestinos. Sei que gritas e sei que te dói. Faço disso questão. Tomei precauções. O veneno da lâmina tem que ser bem espalhado enquanto a faca ferrugenta roda 90 graus. Envenena-te e contagia o teu ventre, assim como esterilizaste o meu coração, agora terra morta. Liberto-vos da dor. Mesmo tu, pequenito, nem sabes a sorte que tens de nunca conheceres como é o mundo cá fora. Sei que a tua mãe te guardará com os anjos.]
...tudo privativo, as portas do céu abrem-se para dar passagem à carruagem dos deuses, azul marinho, klub BMW prestige... Na entrada de relva-paraíso, correm as crianças em direcção ao quente da mãe, que de joelhos as ampara num protector anel de amor imaculado. De novo de pé, beija o marido-hollywood. O cheiro a lavanda invada a área, naquilo a que se pode chamar casa. Uma dádiva de amor, angelical sintonia, uma refeição de azul e lilás. Multicor centro de mesa. Natural, de hoje. Claridade e plasma TV. Juntos na simbiose da perfeição. Diante da TV que debita gráficos Blommberg e sorrisos...
[Sempre adorei este cheiro do sangue que escorre deliciosamente em direcção aos meu lábios. Jazes aí, cara de amor e pesar, fumegas do baixo ventre. Como esperei por esta temperatura baixa para ver o teu ventre espalhado na neve. Como se infiltram as tuas entranhas e teu sangue na terra. Dissolves a neve como fizeste com os sentimentos. Levo estas recordações de ti, carne da tua carne. Podia ter sido bom entre nós, sabes? Porque me obrigaste a fazer isto? Logo tu...]
...Sensodine plus. Ao final da noite, fecham simultâneamente os seus livros de prémios nobel, sorriem um para o outro e repetem em uníssono "Amo-te".
[Amo-te. Perdoa-me... ]