Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
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segunda-feira, maio 17, 2004

Como cair em desgraça em 4 caracteres
Manual de sobrevivência

Alguma vez vos contei a história do miúdo que jogava pinball compulsivamente? Era o miúdo mais respeitado do bairro, com todas as colunas de records preenchidas por ele. Kafka, era o seu nome de combate. As miúdas adoravam-no, os colegas de sala de jogos idolatravam-no. Kafka, o rei. Kafka não era Kafka, era Jorge. Não era grande coisa nos estudos, não era especialmente bonito. Era o rei do Pinball digital. Oferecia créditos extra a meninos desfavorecidos que não tinham moedas para jogar. Uma vez escreveu o nome de uma criança hospitalizada no 2º lugar da tabela e enviou uma foto para a enfermaria. Essa criança colou a foto por cima das flores, bolachas e iogurtes de aromas. A honra das honras. Kafka lembrara-se de si, um gesto que lhe aliviou o sofrimento.

Um dia, de um bairro vizinho chega Machel. Outro recordista imbatível. Num combate que durou uma tarde, a sala de jogos tinha preço de admissão. 2 euros que davam direito a um crédito. Machel bateu o record e entrou para o número 1 da lista. Kafka suava. A multidão estava suspensa. Com o batimento cardíaco em uníssono, os amigos de Kafka rezavam às suas divindades. Desde os deuses de Final Fantasy aos mestres de Tekken, todas as divindades eram chamadas a agir. Kafka porta-se bem e num golpe de sorte, consegue voltar ao número 1 da lista com uma vantagem de 50 pontos. Uma ninharia entre milhões, mas o suficiente para lhe devolver a coroa. A multidão entra em delírio. Machel abandona a sala cabisbaixo.

Mas a desgraça final acabaria por se abater sobre o jovem Kafka. Ao escrever, emocionado, o seu nome, o jovem Jorge engana-se nos botões e com a rapidez esquece-se do "f". Ao olhar orgulhoso para o monitor vê no topo da tabela "Kaka", o que causa um escárnio generalizado na sala. Kafka era agora Kaka e não pode sair de casa durante meses.

Comprou uma Playstation 2 e dedicou-se um pouco mais ao estudo.