Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
dubois@aeiou.pt

segunda-feira, julho 25, 2005

Sexualidade (o renascer)

Anos antes do mítico incidente do pancreas de Dusseldorf ela era dada à inovação. O seu sentido de negócio para nichos era bastante inspirado. Mas, tal como nas emoções, quando as coisas são pessoais há um "mix fodido" (como ela diz) que nos cega a objectividade. A ideia era estranha: uma casa de sandes de fruta, sendo o best-seller a sandes de pêssego panado. Usando pêssegos em calda misturado com pão ralado acido-picante, conseguia uma iguaria digna de qualquer monarca vegetariano. O negócio cedo empalideceu, obscurecido pela mesma razão que o fez florescer: a busca da novidade, doença social crónica dos vira casacas metropolitanos da actualidade.

Afogada em dívidas, lá ia alimentando a depressão no seu T0 no 14º andar, observando as felizes formiguinhas que se passeavam em rebanhos de êxtase. Um dia teve um pico de líbido ao colocar um frango no forno e a sua energia sexual atingiu picos inéditos até então. A imagem do frango de rabo para o ar, roliças pernas abertas e todo untado nunca mais de dissociou do conceito de sexo e, com o tempo, aprendeu a perdoar-se da sua insanidade.

sábado, julho 23, 2005

(outr)A história de Chibita

Chibita era arruaceiro. Era o seu super-poder. Chibita integrava-se num grupo depois de espancar um inimigo de um membro influente. Quando fazia jeito o músculo, Chibita era tratado como rei, a quem eram ofertadas abundantes dádivas de uma resina de planta. Chibita era moldado à força de murro. Duro nas ruas, mas quando convidado a lanchar em casa de um amigo de tendências familiares de suburbia, Chibita derretia nas mãos das mães dos amigos. "Diz ao teu amigo que leve uns bolos para a vaigem!" O cheiro a fertilidade e trigo cosido numa cozinha de um núcleo familiar estável era a sua posição fetal.

De volta a casa, cinzentos blocos maximizadores de espaço, Chibita olhava o espelho e fazia a sua cara de pena. Pena dele próprio. Depois de ver um episódio de "Norte e Sul" com a mãe divorciada e desempregada, Chibita ia para o quarto. Já em pijama, desprovido de qualquer insígnia Death Metal, colocava em volume empalidecido o vinil do Vanila Ice que a irmã tinha comprado pela Páscoa, com o dinheiro do folar.

Detestava fins de semana, quando tinha que palmilhar quilómetros à procura dos amigos em todos os bares e casas de "flippers". "Ah, é o Chibita. Pois. Olha, o meu filho não está, pois... Não sei onde terá ido!"Pois é.... Chibita sabia que estavam em casa, mas nunca arriscaria ficar sem amigos. Uma vez estava à porta da sala de máquinas, fumando clandestinamente um cigarro, e uma carrinha carregada de gado passa pelo meio daquela rua apertada. Um seu amigo que se encontrava demasiado perto da estrada apanhou com um espelho de camião nas costas. Eram aqueles camiões de caixa larga, com espelhos muito saídos para compensar o enorme volume. O amigo de Chibita caíu ao chão. Apressou-se a largar o seu cigarro, com medo de atrair conhecidos para a cenas do acidente. Chibita correu atrás do camião. O camião virou para uma outra rua. Chibita mudou também, e assim que se viu fora do alcance visual dos amigos, Chibita sentou-se ali ficou agachado. Passado um bocado, voltou a correr a fingir-se cansado. Disse ao seu amigo que danificou a parte lateral da cabine do camião com uma pedra. Riram para disfarçar a criancisse. Por dentro todos gritavam pela mãe. Por fora mandavam as caveiras do Death Metal e a imitação dos gritos guturrais dos seus ídolos. Riam nervosos...

(um)A história de Chibita

Chibita era o típico puto arruaceiro que todos tiveram como amigo ou como conhecido. Uma vez tentou assaltar um velhote apenas porque lhe disseram que levava com ele 100 contos. Por 100 contos, Shibita era capaz de sujar as mãos em anonimato. Na sua fase Death Metal chegou a entrar numa igreja gritando "Satanás!" com todo o potencial que os seus pulmões permitiam. Para seu azar, as vizinhas contaram à sua mãe o que lhe valeu um valente ensaio de cinto. Mais velho começou a "engatar". Com um estilo datado e pré-fabricado, ora era Tom Cruise em Cocktail como passava rapidamente a Conan o Bárbaro. Engatou pouco, pobre rapaz, mas uma briga por semana (pelo menos) tinha orgulho em manter.

Um dia estava à boleia para a praia. Sozinho, como sempre. O Chibita é daqueles miúdos que nunca anda acompanhado. Vai sempre "lá ter". Voltava sempre sozinho também... Como dizia, estava à boleia e encostou um tipo num Opel Mantra. Azul desbotado. Parecia o Wolverine que o conduzia. Chibita entrou, sentou-se e agradeceu. O Wolverine português olhou para ele perplexo. Nem havia dado conta da sua entrada. Gaguejou algo e depois articulou qualquer coisa parecida com "Rapaz, eu estou estacionar!".

sexta-feira, julho 15, 2005

Mensagens do futuro

Ele recebera mensagens do futuro. Pelo que me disse era algo que vinha a acontecer há algum tempo. Não teria havido trauma ou acontecimento potencialmente endutor de tal anomalia. Ele recebia as mensagens e lá ia ignorando ou aceitando o seu conteúdo consoante o que a sua atormentada personalidade escolhesse. Por vezes negava completamente algo ou simplesmente dizia que era um simples sonho. Às vezes o futuro era um mundo definhante, sem astronautas, sem roupas de alumínio ou migrações massivas interplanetárias. Era sujo e seco... Como aqueles lagos cinzentos de lama seca que forma puzzels bizarros. Ele não era dado a sentimentalismos, mas isto de saber que andamos aqui só para aquecer, mesmo que um milhão de anos no futuro, não agrada a ninguém.

Algumas revelações que ele me contava eram perdidas por mim num onda de quase total alheamento. Desde o cliché da mancha da parede àquelas situações em que pensava "Merda, o imposto era para pagar até hoje", passando pela azia que me provocara a lasanha do almoço. Ficou-me, no entanto, cravada no cérebro a ideia de que a preservação do panda iria criar um espécie geneticamente modificada altamente procriadora e imune a todas as maleitas que os apoquentam actualmente. Essa espécie iria criar um praga global que iria, em primeira instância, colocar o bambu à beira da extinção.

quarta-feira, julho 06, 2005

Um pâncreas em Dusseldorf

Era tarde quando o telefone tocou. O cheiro a terra molhada da miúda chuva de Verão entrava pela velha janela. As paredes descascadas assombravam a casa vazia. O telefone jazia ali no meio da sala, reanimado abruptamente pelo energética vontade de distribuir notícias frescas. Do outro lado um voz ofegante tentava recuperar o fôlego. Ela havia sido atingida por um pâncreas no centro de Dusseldorf. Ainda pingava sangue. Uma equipa de psicólogos tentava ajudar. Em pânico tentou explicar-me que não sabia o que tinha acontecido, ou como tudo estava a ser demasiado surreal.

Disse-me que teve uma crise de pânica e gritou "Pâncreas" em plenos pulmões. Apareceu um polícia e só conseguia dizer "Pâncreas". Essa foi a única palavra que disse até à esquadra.

Meio adormecido tentei falar em vão. Procurei uma acalmia para meter uma frase que me foi recursivamente negada. Continuou a gritar, enquanto atrás e ouviam vozes semelhantes àqueles filmes da 2ª guerra mundial onde os generais nazis falam todos inglês. Esperei pelo final da cacofonia. Não precisava de me ouvir. Precisava de falar. Desligou.

Peguei no telemovel e mandei-lhe um SMS. "Como raio soubeste tu identificar um pâncreas?"

terça-feira, julho 05, 2005

Castor Reborn

Flui o nada no vazio

Assustado fixou o olhar na luz alaranjada que respingava preguiçosa por entre as cortinas. Foda-se!, pensou. Tanto tempo passara e ainda assim não tinham brotado cinzas de si. Mesmo no esquecimento e na pacatez do universo interno... Mesmo aí, onde nem ele próprio caminha em segurança. Mesmo nos locais que só ele conhece, mesmo no pós-útero, mesmo de mão dada com a alma. Mesmo fugindo e desaparecendo, mesmo criando um labirinto de dor e opressão, mesmo fazendo churrascos ao sábado, mesmo ouvindo pop, mesmo passando fins de semana com os sogros e sorrindo aos primos longínquos.

Mesmo depois de tudo o turbilhão voltou. Efervescente, mas não agressivo. Teimoso, quase violador. Pega nessa merda!, ouviu no escuro... Acordou banhado em suor, em plena orgia barroquina, com uma maçã na boca e um exemplar original de Sade na mão esquerda. O vazio voltou, havia que o documentar!