Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
dubois@aeiou.pt

domingo, agosto 29, 2004

Avô sentado no sofá, em chamas

(...) Serás sempre gente, meu filho. Até ao dia que to neguem por decreto de lei. (...)

Epílogo
O ante-projecto de fim


Nas condições físicas ideais, se olhares em frente vais ver-te por trás... em todas as épocas do tempo. E não é um por ano ou por segundo. Isto é analógico rapaz, não divides o segundo por 25. É mais contínuo e fásico...

Planeta Dolmén
O povo-só

Julgava ver morcegos nas câmaras de vigilância da auto estrada. Achava-se ainda mais ridícula por não ter uma obcessão paranóica exclusiva. Fazia parte de um grupo de ajuda para a recuperação de pessoas que vêem morcegos nas câmaras de vigilância da auto estrada.

Go get your knife!

Pediu que a levassem ao médico no dia em que julgou ter descoberto o padrão da sua vida numa sequência de gritos em clímax de uma música dos Deftones. O gráfico de frequências, impressas numa jacto de tinta parecia comprovar o facto.

quinta-feira, agosto 26, 2004

Expresso Trans-Goya
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Era aquele homem que afirmara ter visto uma criança a chorar, sentada nos anéis de Saturno. Tinha uma perna desfeita, devorada por algo. Gotículas de sangue perfeitas flutuavam em gravidade zero em volta do seu corpo, atraídas pela sua minúscula massa. Aquele homem barbudo tinha uma mancha em redor da boca. Diz-se que assim ficou pela imagem de horror da criança perdida no espaço.

"Era uma criança normal. Empunhava um controlo remoto e apontava o planeta. Disse-me que poderia acabar com a nossa verdade, com o nosso infinito. Podia destruir as nossas certezas carregando num botão."

sábado, agosto 21, 2004

Ensaios 98nn.23b: Andrómeda aqui tão perto
Uma lição de paciência


Discurso

sexta-feira, agosto 20, 2004

O punho de Deus
A sombra de uma dor latente

O comboio passava por um bairro degradado de crianças encardidas sentadas em sofás a apodrecer, virados para a linha-férrea. O chão estava pejado de lixo, reciclagens de reciclagens de reciclagens, usados até à quase desintegração natural. Eram crianças de olhar vivo, brilhante, desiludidas com a vida. Ocasionalmente, por entre o sujo da cara surgiam pequenos regatos de límpida pele, sulcados à força de lágrimas recentes.

Ao meu lado o velho cigano continuava a sua odisseia de feitos hercúleos, palrando incessantemente como se não houvesse amanhã. Falava-me de uma ilha grega, onde morara nos anos 60. Um verão em que a natureza castigou o povo, um verão de vingança atroz. As tréguas homem/mar haviam sido corrompidas, quando um grupo de embriagados e jovens pescadores voltou a casa com peixe sagrado. Na ira do verão o céu escureceu e uma densidade dramática foi transferida por telepatia para o consciente colectivo daquela velha comunidade assustada. Alguns falavam de profecias, interrompidos abruptamente por uma ocasional chapada na cara. Sim, porque era povo temente, mas não eram estúpidos.... As mulheres rezavam, as crianças choravam e os homens, do promontório, olhavam o mar, pediam perdão ao seu estilo macho de peito ao léu. De repente, do nada, o mar revolta-se. Uma imensa onda forma-se no horizonte, o punho do Deus irado. Impotentes, quedaram-se a olhar, enquanto galopava na sua direcção a velocidades vertiginosas. Alguns repararam que vinha polvilhada de pontos escuros, semi lúcidos, impossíveis de distinguir, mesmo por debaixo do azul transparente daquela tépida água mediterrânica. Mas, para alívio da população, a onda pára de repente, em plena formação de 15 metros de altura. As respirações de alegria são curtas, porque de repente os pontos escuros começam a tomar forma e a emergir de dentro das águas, propulsionadas pela inércia do movimento das águas. Milhares de peixes espada são disparados, como que por canhões, em direcção à costa. O povo grita, foge, procura abrigo. Espadartes imensos voam como uma nuvem de flechas de um exército chinês de esplendor Ming.

Dezenas de casas destruídas. Dezenas de pescadores empalados por espadartes. Foi um dos muitos fenómenos não documentados daquela cheia vida do velho cigano.

quarta-feira, agosto 11, 2004

O meu tio Gaspar procura a prova científica acerca do infinito
[crónicas do tio Gaspar - dia 1]


Larga avenida esta que subi. Realmente os tons amarelados tendem a suavizar a violenta paisagem urbana, dita histórica. Duvido que este amarelo aguente, mas também vos digo sinceramente que provavelmente nunca mais cá voltarei. Podem crer que não... Que gente reles, que estranhos costumes. À mesa parecem selvagens, a conduzir parecem alucinados tresloucados, só acidentes já vi seis. E um era bem feio. Isto não é para estar a armar-me em fino, mas ainda não vi ninguém a usar peles. Nesta altura de frio e com o mercado em alta, como podem abdicar. Quer dizer, já vi milhões destes selvagens e ainda nem uma vestida de pele. E as marcas são todas a imitar ou falsificações. Que horror.

Cheira mal. E é tudo guardanapos de papel.

segunda-feira, agosto 09, 2004

Um guião Barrosino, o Danúbia de las Ventas
17/8 de trás para a frente

[Silêncio, estamos a gravar...]
Um grito que dura décadas. Modulado ao longo de um túnel metálico, criando harmónicos míticos, sons que se enfiam na pele. Dentro da carne. Escondidos num baú de arquivo morto. A imagem de fora é irreal, trombónica, mono-tom. Azul codreado. É lento como o tempo, como a sua escala de areia pura. Um virtuosismo de sumptuosidade e magnificiencia. Irreal, como os tonificadores musculares da Gigashop.TV....
[Corta]
[Segunda aproximação à mesma cena, versão medieval instruído]
[Silêncio, estamos a gravar...]
Dizia-me hoje uma entidade oculta que prezo pela discrição, que os maestros que fazem bandas sonoras para os filmes de terror desistem do conservatório antes de chegarem às teclas pretas. Retorqui que também o Michael Nyman o faz, disse, mas toda a gente interpreta como opção artística. "segredos, meu caro" e esfumou-se numa fina camada de pó azul, levitando em espiral inversa.
[Corta]
Bebi martinis o resto da noite e preocupáva-me com uma falta de memória que tive o mês passado. Era pôr-do-sol, como no cinema, mas aqui parecia mais real... Matutava num erro de acentuação que lera hoje, algures num guião.

sexta-feira, agosto 06, 2004

Semi-lividez. Holo-Eu, cyber-consumo de bolacha americana
Olá, fresquinho!


A correr pela, rua... Amanhecer.
- Corre Malva, corre. Ainda perdemos o comboio.
A correr, rua abaixo. Acelerar.
- O que achas que estou a fazer, Sílvio?
A ver ao longe o comboio partir. Meio sul, meio ferrugem.
- Merda, zarpou!
Ofegante, mãos nos joelhos e convulsões com sabor a chicote. Antiquado.
Um relógio gigantesco, ofuscado pela sujidade de décadas.
Tlooomm. Tlooomm...
- Sabes Sílvio, em relação àquela conversa...
- Sim, sei. Percebes a lógica?
- Sim, percebo. Quer dizer, tirando uma coisa que não pára de me incomodar.
- O quê?
- Por exemplo, não conheço ninguém que tenha gostado do Titanic nem chorado na Lista de Schindler. E no entanto, lá estão os "Clássicos". Assim como não conheço ninguém que goste do George Bush ou do Paulo Portas. E ninguém parece minimamente aborrecido com isso.
- É. Isso é verdade. Mas...
- Mas?
- Podemos tentar o boato da actriz suicida.
- Resulta?
- Se for na noite da véspera, sim.
- Ok.
Não é negrume nem luz. E esfuma-se em fulgor.

quinta-feira, agosto 05, 2004

Ensaios 234v.b33
Súplicas de carne viva - sangue em freeze-frame

Súplicas de carne viva - sangue em freeze-frame