Há que documentar o vazio. Agora também em mármore!
dubois@aeiou.pt

terça-feira, junho 29, 2004

Pérfidas dádivas orgânicas
Estímulo e Impulso... - Essência do fino trato

Era endiabrada a malvada ninfa, dada a práticas obscenas e negras homilias. Vestia o vermelho pecado e ondulava os movimentos lascivos, desvendando coesa astúcia carnal. Doce devassidão... Navegava já no mar alto da lascívia sob o metrónomo da luxúria quando, sob a minha face, se abatem gotas de suor de vingança, sal de vício...
Não era para mim a oferenda de paixão... Algures no mundo se projectava a intensa fúria, sob um delicado e meloso embrulho de ignorância.

quinta-feira, junho 24, 2004

Uma palavra

Ligeiramenteatordoadosempercebermuitobemporquê.

terça-feira, junho 22, 2004

Rasgadas as pátrias, restam as sombras
Por entre densas cortinas de assombro

Era por trás da pesada porta de metal que ocasionalmente via o críptico checoslovaco. Um olho de vidro e 3 dentes de ouro. Barba abundante e não cuidada. Selvagem, parasita do seu corpulento anfitrião. Pesava muito, mais do que qualquer balança comercial podia quantificar, dizia fluentemente na língua que não era a dele. Ostentava orgulhosamente a gaiola de pássaros exóticos, que ninguém se atrevia a adivinhar o nome. Chamava os ventos pelos nomes e sabia a sua origem e acção. Falava na transversal e era nessas alturas que balbuciava na diagonal, entre dentes de ouro, diapasão da retórica, filtro imperfeito da lógica. Era seu dono e senhor. Das suas palavras a meio, a dobrar, de lado, obscuras, incompreensíveis. Toda a gente anuía, porque decerto era sábias. Contudo arrotava selvaticamente, desculpado pela sua invulgar nacionalidade. Não tenho a certeza que fosse checoslovaco, até porque já nem existe Checoslováquia. Devia ser impressão provocada pelas calças de licra tricolores (na vertical). Provavelmente o olho nem era de vidro e era encorpado, mas não gigante. Nunca prestei atenção ao que dizia, porque doutrina empacotada e estanque nunca foi o meu assunto predileto...

segunda-feira, junho 21, 2004

Ensaios HTY32.c: Mundi - Um copo plano, um mundo líquido

Mundi

1,29 gramas/litro
À temperatura de 0 °C e ao nível do mar

Um abismo. A dor num dedal. O universo numa unha suja do pé. Uma alma perdida, guardada pelo pastor do vizinho. Um rasgo no tecido protector. É como quando trancas o carro por dentro, nunca te passando pela cabeça que quem te quiser apanhar pode facilmente agarrar numa pedra e entrar. tIPO quando trocas o Caps Lock acidentalmente e afinal até fazia sentido. É como quando olhas para um globo e te dá claustrofobia ou quando, de repente, olhas para o calendário e passaram 20 anos. Uma verdadeira sensação de segurança provocada por uma falta sensação de segurança que cria segurança. Enfim, quem disse o que ar não tem peso?

Autobiografias aos pedaços - Bocados de nada, vol. 15
Entrada do novo século - o mesmo de sempre

Depois de entrar no carro, sem uma palavra, sem um gesto, tudo estava terminado. Olhares e electromagnetismo manhoso armado em telepatia tinham passado a mensagem. "E agora?" Pensou... Bem, agora é aguentar 3 ou 4 horas de um silêncio violentíssimo e esperar que tudo acabe com dignidade. Todas as frases poupadas e abandonadas no vazio de mentes hiperactivas provocaram um extâse, um mundo de fantasia "E se...?", criando realidades paralelas, desejando estar lá, já! Nem um único olhar se cruzou. As mãos quase encostadas libertavam suores árticos. Era repugna civilizada, um "Vai-te foder" disfarçado de "Faço de conta que nem aqui estás".

A certa altura dei comigo a encaixar este falhanço emocional na minha lista de falhanços emocionais, prevendo com extrema precisão os acontecimentos futuros, as emoções, as fases, toda a merda sentimental do costume. Ao fim da segunda hora ansiava por viagem em criogénio, mas quando cheguei ao destino facilmente a trocaria por uma daquelas frescas que saiam do bar da praça... Era afinal, outra vez, nada...

- Como dividimos CDs? - perguntou
- Fica com eles que fiz cópias - respondi impaciente

Mix Monocórdico

- Ontem li um poema em que alguém dizia que não se pode destruir aquilo que não se criou.
- Ai sim?
- Sim...
- ...
- ...
- Qual o contexto? Bíblico ou artesanato?
- Não sei, mas o poeta era famoso.
- Sabes o nome?
- Não.
- Deve ser arte ou filosofia alemã. Passa-me o ketchup.

quinta-feira, junho 17, 2004

Ensaio SH23.5d - "Atlantis XXI"
Uma mão cheia de séculos mais tarde

Atlantis XXI

Ensaio SF56.d3 - "Uma fuga ao infinito"
Easy left

Uma fuga ao infinito

quinta-feira, junho 03, 2004

Submersos em formol numa garrafa translúcida sem rótulo
A Hiper-Realidade ao pintelho

Ia ela linda pela rua, confirmando a firmeza do seu rabo nas montras semi-reflectoras da baixa. Alguma luz passava para dentro das lojas, outra era reflectida. A ordem com que os fotões eram reflectidos para as suas retinas era perfeitamente aleatória. Chamam-lhe a teoria do caos.

Foi um grupo de fotões escolhidos pelo acaso que penetrou numa montra gigante de uma loja de animais. Ele estava dentro e reparou nessa imensa quantidade de luz que veio de encontro a si. Saiu a correr, passos largos que associados a todas as velocidades relativas, tendo em conta o modelo universal tal como o conhecemos, só não se desintegrou porque a gravidade o puxou ao seu referencial rotativo.

Aproximou-se e falou-lhe em códigos de outrora. Falou-lhe trémulo. Já alguns ciclos de irrigação sanguínea tinham por ele passado quando ficou acordado um encontro. Num café ali ao lado. Imediatamente. Longa foi a conversa. Acto mecânico. Vibrações de cordas vocais, articulações e músculos que se coordenavam, tentando passar a mensagem. A delicadeza e sensibilidade da perfeição. A imagem perfeita atirada a uma alma ferida em busca de protecção.

A mensagem passou.

Dois anos, três meses e vinte e oito dias mais tarde.

Ela chora na cama, sufocada pelos espasmos e pelo aperto do seu coração. Numa mão segura o frasco enquanto pondera o que fazer. Na memória a imagem dele, a ir de encontro a mais uma alma ferida em busca de protecção. De longe ela viu novamente o acto mecânico. Na terceira pessoa. Ela viu o café e o encontro. Viu o olhar submisso da outra alma e a mecânica manipuladora dele. Predador. Actor profissional. Cabrão. Pensou ela... Na cama ponderava o uso do frasco. Na outra mão o anel de casamento, ainda a brilhar da frescura de uma semana de uso.

quarta-feira, junho 02, 2004

De alma dormente
O Alpha e o Omega (e outras marcas de relógios)

- Sabes qual a sensação de te odiares a ti próprio?
- Sim, sei! -
respondeu ele sorridente.

Nunca ele poderia responder que não. O facto de alguém se sentir satisfeito consigo próprio é sinónimo de sono profundo. É sinal de fim de linha. Significaria que agora tinha encontrado a plenitude, essa utopia romancesca. Significaria que tinha encontrado a equilibrio perfeito de café/leite/chocolate para um capuccino divinal, um automóvel que realmente prolongava o seu pénis, digitália perfeita para o som 6.1 e visão cristalina nos seus filmes merdosos, um penteado para o resto da vida, o perfume dos deuses, um método perfeito de organizar a biblio(disco/dvd)-teca, a marca de roupa que transborda maturidade a rodos ou o grupo de convicência social onde podia dar largas a toda a sua superficialidade.

Se respondesse sim, ignoraria por completo que a perfeição e plenitude são na realidade uma amálgama de pequenos nadas, que removido todo o ar, não preenche sequer o espaço entre dois protões do mesmo núcleo.